No passado, elas até fumavam cigarrinhos de chocolate da Pan na comunicação publicitária dos anos 80, contudo, a trajetória da propaganda com o passar dos últimos anos mudou o panorama do que conhecíamos. Agora a campanha voltada à criançada está mais sofisticada e o seu poder é forte enquanto consumidor potencial, de acordo com estudos, que apontam as crianças chegam a influenciar de 70% a 80% das compras da família Tudo isso ampliou a comunicação dirigida a elas, mesmo assim, a publicidade infantil do passado nos assombra com diversas facetas (positivas e negativas) que nos fazem relembrar até hoje exemplos que, em muitos casos, continuam inestimáveis e inesquecíveis em nossas lembranças. O fato é que o Dia das Crianças está se aproximando e é uma dos períodos mais fortes do calendário brasileiro, e a criatividade sempre foi um fator importante para alavancar a data com campanhas memoráveis. “O uso de crianças nas campanhas é algo que perdura e dá certo. O público se identifica bastante. Com o CONAR, falhas e lapsos diminuíram bastante. O modelo tradicional continua, mas também, as crianças hoje possuem muitos dispositivos de comunicação à mão. Não é mais só uma ação passiva. E, há o forte uso de netnografia e big data para saber qualificar e ofertar o que o público deseja”, diz o designer Alfredo Galamba, sócio-diretor da Expolab – Escola de Educação Criativa de Pernambuco.

A identificação pode ser considerada um fator importante na busca por entender os motivos que levaram determinada campanha a se tornar um sucesso como no caso do Danoninho. Nos anos 80, a campanha com o seu cativante produto tornou o produto da Nestlé extremamente conhecido no Brasil com o slogan “Danoninho vale por um bifinho…”. Criado em 1988 por José Mário e Luiz Orchestra, o mote se tornou um dos mais conhecidos na história da publicidade brasileira numa investida, na qual se apostou em uma seqüência de notas musicais no piano que parodiavam o famoso Bif. O sucesso “Me dá, me dá, me dá, me dá Danoninho, Danoninho já” se tornou um hit chiclete na cabeça de pais e filhos e impulsionou a marca do delicioso petit suisse, assim como muitas investidas da época que mostram que a empatia podia ser motivada com estratégias simples, porém bastante eficazes. “Lembro do Big Trem da Estrela, bem anos 80. O motivo de ficar na memória é a música ‘Trem das Onze’, já que sempre gostei de música. Uma aposta bem criativa da empresa. Acho que nos dias de hoje se perdeu um pouco a criatividade nas campanhas. As crianças mudaram, mas a criatividade é essencial”, destaca a jornalista Adriana Maia, diretora na Nova Aurora Comunicação.

Campanha Danoninho

Inspirada na conhecida composição de Adoniran Barbosa, a canção do Big Trem (“Não posso ficar nem mais 1 minuto sem meu Big Trem… sinto muito mãe, mas não pode ser. Quero meu Big Trem. Vai pra frente, vai pra trás e faz piuiiii!!!”) conquistou o público, inclusive, o adulto e transformou o trenzinho em um clássico da indústria de brinquedos. Numa era em que a tecnologia que conhecemos hoje está longe de ser mensurada, todas as possibilidades estava à mão com a proposta de brincadeira que o Big Trem ofertava à criançada, e tudo isso era enfocada na campanha. “As marcas mudaram o jeito de ver o mundo e como se relacionar com ele, nos últimos dez anos. Essa mudança coincide com a expansão da internet, das redes sociais e a tecnologias disruptivas que mudaram nossas vidas nesse período. Isso, certamente, alterou a visão das suas campanhas também. Hoje, é possível ver crianças falando em comercial de tv ou digital sobre um futuro melhor de forma mais natural, algo impensável nas décadas de 1980 e 1990”, comenta Luiz França, fundador da Ahoy Trip, primeira plataforma do Brasil e da América Latina de reservas de Hotéis Gay-Friendly (https://www.ahoytrip.com). Para o empresário, as marcas nos dias de hoje encaram um grande desafio diante do novo cenário, contudo, pondera que um problema é o fato que de que as campanhas tratavam erroneamente as crianças com muita ingenuidade, ao contrário da realidade.

“Acho que o desafio constante das marcas nesse processo de comunicação para as crianças é aprender a se inserir no universo real delas, cada vez mais conectado, e não no fantasioso que os criativos impunham até há bem pouco tempo”, completa ele que lembra que poucas campanhas lhe marcaram. “Uma delas é da bicicleta Caloi: ‘Não esqueça a minha Caloi’.Foi graças a essa campanha que ganhei minha primeira bike (risos)”, diz. Esse slogan, criado pela empresa em 1978, foi adotado nas campanhas publicitárias que a empresa realizou por mais de uma década e ficou marcado na memória do público brasileiro até os dias de hoje. Lançada com referência de um personagem próprio, o Zigbim (que foi um marco na época), incentivava uma garota a lembrar de um presente especial: uma bicicleta CALOI, e o desenrolar das ações sempre apostava na distribuição de famosos bilhetinhos com o mote numa incansável batalha para que toda criança ganhasse de presente a sua tão sonhada bicicleta. “Quando criança, gostava muito de andar de bicicleta; e, até antes de ter uma, essa campanha era uma forma de lembrar aos meus pais do que eu queria”, recorda-se também Galamba.

“Não esqueça a minha Caloi” acompanhou milhares de crianças em sua jornada pelo sonho do presente ideal. E isso ajudou a reescrever a história do brinquedo e da própria companhia fundada em 1948 no Brasil pela família homônima. E na estratégia da campanha era fundamental colocar diversos papéis, em todos os locais onde os pais acessavam constantemente, e sendo assim a própria Caloi fornecia até os lembretes para serem colocados e sugeria alguns locais. Um apelo curioso mas que era totalmente abusiva e contrária aos dispositivos da autorregulamentação publicitária que vigora nos dias de hoje. “Na verdade me preocupa por que criança não tem discernimento e às vezes campanhas terminam apelando como exemplos de marcas que até foram punidas por órgãos, a campanha em sua essência deve ser direcionada para os pais, mas, não é isto bem o que ocorre. Às vezes as crianças exigem aquele produto e os pais não tem condições”, comenta Iran Pontes, fundador do Design Culture, portal informativo sobre criatividade e comunicação.

Uma lembrança pertinente considerando o perfil comum de consumo de uma criança, pautado por estereótipos que talvez tenham perdurado na construção da comunicação publicitária, por muito tempo. E alguns que ainda se mantém nos dias de hoje, inclusive. “Acredito que estereótipo de ser uma criança classe média alta e branca ainda se mantem, por mais que as ações estão cada vez mais trazendo todas as raças, para mim é ainda muito falho usar apenas crianças brancas de cabelos lisos, por exemplo, na escolha das roupas. Existem roupas com cores que se contrastam bem com crianças brancas e não bem com crianças negras e vice versa, ou, produtos específicos para cabelos crespos”, completa Ponte, que relembra com isso a campanha da campanha da Johnson Baby sobre cabelo cacheado.

A campanha do Shampoo Cabelos Cacheados começou a ser trabalhada pela marca em 2008 quando a Johnson’s ampliou a linha de xampus para tipos específicos de cabelos infantis, como os cacheados. Com isso, reforçou uma estratégia da empresa de trabalhar com a variedade nacional, que já vinha apostando desde os anos 1960 quando lançou concurso para eleger o bebê mais bonito do país. Para incrementar o projeto, apostou em um hit criado pelo compositor Hélio Ziskind, criador de incríveis sucessos para os programas “A Turma do Cocoricó” e “Castelo Ratimbu” da TV Cultura de São Paulo, que comandou a canção e transformou inesquecível o jingle no comercial: “Eu nasci com cabelo enroladinho, com um monte de cachinho na cachola, oi tóin tóin tóin. Água de chuveiro cai na cabeleira, chueira, vem me molhar. Chuá, chuá”. Essa investida seguiu o caminho de sucesso dos comerciais do Johnson’s, resultando em um filme divertido e com uma música contagiante todas as crianças. “O jingle da campanha da Johnson Baby sobre cabelo cacheado não saiu da minha memória e eu era criança, adolescente. Talvez tenha ficado gravado por eu ter tido cabelo cacheado quando era criança e isso me trouxe alguma memória esquecida. Além disso, a campanha da Casas Pio também está marcada e mais uma vez pelo jingle. No Dia das Crianças, acredito que queria um sapato devido ao kingle (rsrs)”, diz Iran.

Se ao ouvir Johnson & Johnson vem à sua memória a imagem de um bebê fofo e feliz cantando, no caso da Casas Pio é impossível não enfatizar que lugar de comprar sapato novo é na Pá Pe Pio, conforme o jingle que ficou nas memórias ao longo de mais de 10 anos. “Lembro da Pá, Pé, Pio porque o que o jingle chiclete marcou, juntamente com aquele estereótipo padrão dessa campanha publicitária: o coro de crianças cantando. Toda campanha usa isso e querem passar a mensagem de ‘vibe’, eu acho. Tanta criança cantando juntas, dá vontade de pedir um sapato de Dia das Crianças! Mas por outro lado achei a mensagem lúdica”, comenta Marcus Andrey, Ceo da AppBora, desenvolvedor do projeto de saúde Dieta da Rede Social. De fato, o tema Pá-Pé-Pio foi um sucesso na história do grupo Casa Pio, fundada há quase 90 anos, no Ceará. Criada pelo publicitário Assis Santos, dono da agência de propaganda cearense SG Propag, a empresa lançou mão da música em 1982 na campanha que se mantém no cerne das ações publicitárias, atravessando gerações e comprovando a tradição da empresa há 30 anos.

“Lembro que eles faziam uma edição que sincronizava os sapatos aparecendo na mesma hora que mudava a sílaba, casando cada nota musical: Pá (sandália), Pé (tênis) e Pio (sandália feminina). Era uma forma de ‘gamificação’ (transformar em jogo) para os padrões tecnológicos dos anos 1980s”, destaca Andrey. Uma grande estratégia do grupo que mantém um negócio que envolve cerca de três mil colaboradores, concentrados em nove empresas e distribuídos em unidades de negócios nos estados do Ceará, Paraíba e Pernambuco. Com foco no público infantil, essas campanhas fizeram história da propaganda e saíram do rastro das comunicações publicitárias abusivas de acordo com Código de Autorregulamentação do CONAR estabelecido em 1990, que configurou uma série de alterações na propaganda do passado.

Numa busca de ações que fujam de atos falhos ou duvidosos, a propaganda brasileira voltada ao público infantil apresenta uma nova construção da comunicação com o passar do tempo. “Muita coisa mudou. Antes, as campanhas para o público infantil eram carregadas de estereótipos machistas, sexistas e racistas, sem falar na erotização que era gritante visto à luz de hoje. Não lembro exatamente quando isso começou a mudar, talvez depois da inserção do storytelling na composição de uma nova narrativa. Mas ainda há estereótipos nessas campanhas infantis. Eu diria que o principal deles é a imposição dos padrões da heteronormatividade, ignorando completamente qualquer outra forma de condição e orientação sexual no universo infantil. É quando o garotinho pede para a mãe não passar o protetor solar na orelha para que a coleguinha dele na escola faça e ele se sinta realizado. Quem sabe alguma marca tenha a coragem de romper com esse padrão e tocar nesse assunto de forma consciente e madura no futuro próximo”, enfatiza Luiz França. Há 30 anos, um diálogo busca refletir a criança de forma divertida e atrativa para geração de novos negócios, que resultou em todas essas experiências que destacamos.

 

* Matéria produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Outubro/ 2016, número 197

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Ivelise Buarque é jornalista, consultora de comunicação e idealizadora do portal Ivelise Comunica e do Perneando. Com mais de 32 anos de atuação no cenário de comunicação, marketing e negócios, ainda tem grande participação no mercado de comunicação corporativa e marketing de consumo e cultural. E nos dias de hoje atua com foco em cultura, arte, entretenimento e projetos criativos, ajudando marcas e iniciativas a se comunicarem com autenticidade, propósito e impacto.

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