carol-fernandesDiz-se que “por trás de um grande homem sempre há uma grande mulher” e na história da publicidade podemos dizer que por trás de uma grande agência sempre existe um grande profissional. De fato, entre as maiores referências do mundo temos a Ogilvy & Mather, criada por um David MacKenzie Ogilvy, aclamado como “o pai da propaganda”. Na cena nacional figuram nomes como Washington Olivetto da W/Brasil e Nizan Guanaes, sócio e co-fundador do Grupo ABC. Em nossa história, um personagem também se destacou pela beleza e originalidade de suas campanhas, e pioneirismo no mercado da propaganda no Nordeste: Carol Fernandes. “Ele era um estrategista e criativo, foi um dos maiores jinglistas da publicidade que Pernambuco já teve e que marcou época com sua Itaity”, lembra Alfrizio Melo da Ítalo Bianchi Comunicação.De fato, a maioria dos jingles criados pelo publicitário ficou na memória afetiva de todos que tiveram a oportunidade de vê-las na telinha ou nos monitores. Suas campanhas sempre geraram impacto de uma forma ou de outra, como a da Lux Ótica para qual criou um dos jargões mais impactantes e memoráveis (“Quando a gente não quer, qualquer desculpa serve”), que passou a ser usado por muitos em momentos diversos no dia a dia. A imagem de um personagem cego enfatizando a importância de cuidar da vista – “porque quem sempre teve não sabe o que é perdê-la” – despertou a atenção para a rede e deu início a uma série de comerciais com este texto (criado no final dos anos 1970), e que se manteve até os 90, protagonizados até por atores conhecidos e renomados como Tuca Andrada.

©Alfrízio Melo – Foto: Eudes Santana
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“Todo o trabalho criativo de Carol tinha por base o conhecimento, através de pesquisas qualitativas, que ele fazia seguindo o perfil dos consumidores de seus clientes e telespectadores da Globo Recife. E foi por isso que resolvemos transferir a mídia da Casas José Araújo, do horário noturno para o patrocínio do Jornal Hoje, se não me engano, por mais de 12 anos. Neste período de criação em conjunto de mídia e do conteúdo, a Itaity Publicidade foi a primeira agência, em tempos de crise como os de hoje, a valorizar a importância do anúncio como saída fundamental para superar as dificuldades. E, com essa atitude, tornou-se a primeira agência a anunciar em TV no Brasil”, relembra Cleo Nicéias, presidente da Asserpe (Associação das Empresas de Radio e Televisão de Pernambuco).

Realmente, sua Itaity provocou mudanças no trabalho de mídia e proporcionou grande projeção da criatividade nordestina, inclusive aproveitando algumas estratégias oportunas em especial para as Casas José Araújo, cujas campanhas são consideradas magistrais.
Em relação a este cliente, todos têm algum desses trabalhos em suas lembranças por serem uma peça inesquecível. Passaram-se mais de três décadas e as propagandas com jingles da José Araújo até hoje lembram que a rede era a casa onde “quem manda é o freguês”. “Tenho viva em minhas lembranças as campanhas da Itaity Propaganda, liderada pelo publicitário pernambucano Carol Fernandes, cujo trabalho tinha como mote a mediação da cultura local popular na mídia publicitária para o estímulo ao consumo. Suas campanhas, memoráveis, mostravam-se no nível do sensível e do cotidiano como belas, bem humoradas e por isso memoráveis espetáculos estéticos”, comenta Eneus Trindade, professor da Escola de comunicações e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo.

Com isso, a Casas José Araújo ficou na memória de toda uma geração por conta da criatividade de suas campanhas, além de se tornar referência em estudos acadêmicos. A marca fez história na cena da propaganda no Nordeste e a agência ficou marcada provavelmente para sempre. “Os comercias das Casas José Araújo (loja de tecidos e confecções de cama, mesa e banho) mostravam a força da musicalidade local, do folclore, a beleza do lugar e a simpatia das gentes. Além disso, esses comerciais ritualizavam o horário do almoço, pois este anunciante patrocinava o jornal da TV Globo do meio dia. Essas mensagens foram constitutivas de um imaginário cotidiano da minha geração”, diz Trindade. E os trabalhos para a marca não só se destacaram pelos elementos que reforçavam a força da cultura e do desenvolvimento da região, como também anteciparam uma tendência que se intensificou posteriormente quando se percebeu que o melhor caminho para conquistar e fidelizar o pernambucano era regionalizar a comunicação.

Ocupando grade do horário nobre da televisão, as criações foram responsáveis por grandes transformações na comunicação ao longo das décadas de 80 e 90, marcando também o período como o de maior presença dos trabalhos da Itaity no mercado. Afinal, quantos carnavais foram conduzidos ao som do jingle de Davanira que passou a ser um marco da comemoração da folia: “Davanira é ela, tire suas roupas de janela. Toda vez que eu vejo ela sem você, eu só lembro-me de você sem ela” ainda é um canto no cortejo de muitos blocos. “‘Carol Fernandes era o publicitário que fazia música’. A frase é do jornalista e colunista do JC, Fernando Castilho. E foi uma das que mais me marcaram lendo – ou relendo – tudo sobre Carol Fernandes, no dia de sua morte. Pra mim, Carol era música, imortalizada, por exemplo, na não menos imortal Davanira, lembrança sonora e visual da minha juventude. Carol fez muito mais do que publicidade. Criou uma cultura, um estilo. Foi um inovador”, diz Laurindo Ferreira, diretor de redação do Jornal do Commercio.

Resgatando o lado divertido da festa de momo, o comercial foi gravado no ano de 1992 e mostrava bela jovem numa sacada de um dos casarões de Olinda, cidade patrimônio histórico e cultural da humanidade, nas proximidades do Mercado da Ribeira. As imagens insinuantes da atriz pernambucana (Veruska Luna, que tinha quase 14 anos na época) aliada à música transformaram o filme em um sucesso e fizeram do jingle um grande hit do carnaval de 1993, em Pernambuco. “Carol Fernandes era um artista. Cronista que transformava realidade em emoção. E emoção em significado, tanto para clientes quanto para consumidores. Criava peças publicitárias como se fossem um curta-metragem. Visionário de olho afiado, conseguiu perpetuar, por meio dos anúncios que criou, o comportamento de uma época e entendeu, antes de muitos, que publicidade boa é aquela que toca o coração. Por isso virou referência, fez escola e virou história”, comenta Beatriz Ivo, diretora de jornalismo da TV e Rádio Jornal.

Bastante conhecida por produzir comerciais voltados à cultura local pernambucana, as campanhas para a José Araújo contavam histórias de festejos populares e da roupa nova para suas celebrações, que tem poder de reconstruir na lembrança as cenas nostálgicas. Os versos simples dos seus jingles representam canções tão emblemáticas, que ganharam forças até na voz de importantes expoentes de nossa música como o Rei do Baião, Luiz Gonzaga. “A publicidade pernambucana perde não apenas um exímio criador de jingles, mas um grande estrategista de vendas. Carol Fernandes colocava emoção em tudo o que fazia – por isso que todos os clientes com quem trabalhou tornaram-se líderes do mercado local e caíram na boca do povo. Marcou gerações, fez história e para sempre será lembrado”, lembra Vladimir Melo, diretor executivo do Sistema Jornal do Commercio.

De forma muito particular, os projetos carregavam muitos simbolismos arraigados nas tradições nordestinas, desde as comemorações profanas até as religiosas, como na emblemática campanha com a qual prestigiou as comemorações da Nossa Senhora da Conceição, produzida em 1978. As imagens mostravam de forma lúdica a fé do povo pernambucano e o jingle reside ainda hoje no imaginário popular: “Senhora da Conceição. Minha Mãe, Minha Rainha. Dai-me a vossa proteção, minha querida madrinha. Vela acessa, subo o morro pra pagar minha promessa. Vou vestir azul e branco, pra pagar eu tenho pressa. As Casas Zé Araújo fazem essa louvação. Com o povo rendem graça à Virgem da Conceição”. “Carol Fernandes é um ícone da propaganda pernambucana. Tudo o que ele desenvolveu e idealizou há mais de 30 anos continua válido para os dias atuais. Isso mostra o quanto Carol era um homem com visão de futuro, que sempre esteve à frente do seu tempo”, acrescenta o publicitário Queiroz Filho, CEO do Grupo Duca, holding que reúne agências como a BG9 e Ampla PE e ES.

Severino Queiroz Filho do Grupo Duca

As incríveis melodias e as imagens cheias de referências das tradições de um povo rico, animado, fervoroso e confiante transformaram as campanhas de Carol Fernandes, da sua Itaity e da Casa José Araújo, cliente mais consciente da força da propaganda para reforçar a marca, um dos maiores cases do mercado de propaganda da região. De maneira emblemática e fazendo menção à cultura, destacou com muita emoção a relação das marcas com o consumidor, e ainda antecipou há trinta anos estratégias e conceitos de comunicação que o mercado passou a conhecer posteriormente. Seus comerciais construíram histórias deliciosas e incríveis, histórias que representaram e reforçaram o cerne das marcas: branding, storytelling, entre muitas outras apostas nas quais investiu com pioneirismo. “Por mais que eu pudesse testemunhar algo sobre o profissional Carol Fernandes seria um fato insignificante diante da importância dele para o desenvolvimento da comunicação e da propaganda em Pernambuco. É por essas e por outras que, para mim, Carol Fernandes não é passado. É futuro. E, as vezes me pergunto: será que não foi ele, institivamente, o primeiro a usar como conceito o neuromarketing na propaganda?”, enfatiza o amigo Cleo Nicéias, que dividiu com o célebre publicitário diversas histórias e momentos inesquecíveis.

 

* Matéria roduzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Junho/ 2016, número 194

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Ivelise Buarque é jornalista, consultora de comunicação e idealizadora do portal Ivelise Comunica e do Perneando. Com mais de 32 anos de atuação no cenário de comunicação, marketing e negócios, ainda tem grande participação no mercado de comunicação corporativa e marketing de consumo e cultural. E nos dias de hoje atua com foco em cultura, arte, entretenimento e projetos criativos, ajudando marcas e iniciativas a se comunicarem com autenticidade, propósito e impacto.

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