
Data: 27-08-2012
Assunto: CADERNO C – Na foto destaque para a repórter especial do Jornal do Commercio Fabiana Moraes.
Prestes a lançar mais um obra, “O Nascimento de Joicy”, a jornalista pernambucana Fabiana Moraes é uma profissional que se especializou em contar histórias de personagens diferenciados que passam batido para a maioria das pessoas. Não por achar que isto é o que o público quer ler nas páginas do jornal diário, mas sim por acreditar que tudo que observa e analisa no seu dia a dia é relevante e merece ser repercutido. E, por pensar e crer nisto, esta repórter especial do Jornal do Commercio (PE), bacharel e mestre em comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco, enveredou ainda para uma outra área das ciências humanas, a Sociologia. “O estudo do comportamento carece demais desse olhar investigativo. Todo pesquisador tem um bocado de jornalista, e vice-versa. O problema é que nós, jornalistas, terminamos desvalorizando nosso papel de observador do mundo. Quando queremos, fazemos isso tão bem. Somos antropólogos e sociólogos em potencial. Buscar a sociologia foi justamente essa vontade de dar conta de mais respostas (ou de basear melhor tantas perguntas) que a comunicação já não dava mais conta”, diz ela que acumula no currículo diversas premiações.
Ao longo de mais de 15 anos de carreira, Fabiana Moraes foi indicada, finalista ou conquistou o Prêmio Esso, Jabuti, Embratel (Comissão Europeia de Turismo) e Cristina Tavares do Sinjope – Sindicato dos Jornalistas de Pernambuco (ambos quando editora assistente do JC): “Os prêmios são ótimos, é sempre bom ter seu trabalho reconhecido, sublinhado. Dão gás para outros projetos. Eles só não podem ser o fio condutor de um profissional”, ressalta. Tanto assim que desenvolveu ao longo dos anos diversos trabalhos (como o A Vida É Nelson) que gosta muito e que, contudo, nunca receberam qualquer prêmio. “Eles foram feitos para o mundo, e não para uma banca de jurados. Quando os jurados gostam, é uma felicidade. Mas essa felicidade já está impressa nas páginas do projeto quando ele vai pra rua. É um filho, é uma alegria, é um sofrimento. Não se pode medir isso em um certame”, enfatiza.
E, com certeza, este reconhecimento a torna uma referência no cenário nacional e local, especialmente no mercado de jornalismo. Contudo, tudo isto só mantém a ideia da responsabilidade de refletir a vida de outros com questionamentos necessários e importantes. “O reconhecimento está relacionado, para mim, ao comprometimento com o trabalho que é feito. Eu busco, em todo o projeto, trazer uma observação, pergunta e desejo diferentes. Não é fácil pensar em escala semi-industrial mantendo qualidade e pertinência. E sem pertinência, não há jornalismo, nem mesmo o de celebridades (que estudei tanto na tese quanto no mestrado). Minha maior influência foi o próprio cotidiano, a desigualdade social, o comportamento, a política. Tudo isso me afeta continuamente”, destaca.
O olhar sobre o mundo, sobre as peculiaridades do dia a dia lhe afeta desde muito cedo. Afinal, sua jornada pessoal também rende uma boa história assim como a de muitos personagens que retrata em suas matérias. “Fui a primeira pessoa da família a entrar em uma universidade. O curso superior não fazia parte de nosso histórico, mas meus pais sempre incentivaram que estudássemos”, recorda-se. Uma grande família brasileira (oito irmãos, sendo dois gêmeos e até mais um jornalista) com a qual mantém muita cumplicidade e divide diversas recordações, que acabou gerando um novo projeto, “A História de Mim”, que partiu da postagem de momentos vividos em suas redes sociais. “Eu gosto de lembrar o final do ano, quando meu pai pintava a casa e colocava luz de natal na frente dela. E gosto de lembrar dele lavando a moto na calçada e ouvindo os discos de Agnaldo Timóteo”, diz a jornalista, para quem esses relato de situações pessoais do Facebook não iria ganhar tamanha repercussão.
Sua própria história – Com três prêmios Esso, esta escorpiana começou sua trajetória na comunicação como estagiária em 1998, no Jornal do Commercio (PE), no qual se tornou logo depois repórter de Cidades, Cultura e Suplementos (mais especificamente em Ciência, Turismo e Informática). Um início pautado por muitos desafios e encontros: “O início da carreira foi marcado por muitos sustos, erros e aparições felizes. Não é fácil lidar com o outro, tarefa primordial do jornalismo, e não há técnica que dê conta da subjetividade que circula a profissão. Ao mesmo tempo, é preciso estar munido dela para termos uma bússola profissional azeitada. Ou seja: ou destravava os dedos, os ouvidos e o juízo ou ia para casa”.
Este foi um esforço imensurável de alguém que descobria que adorava o que fazia e que, assim, tornou o trabalho no segundo lar. Uma coisa boa no princípio da carreira, mas que também lhe trouxe o lado ruim em alguns aspectos. “Meu filho, Mateus, tinha menos de dois anos quando comecei a estagiar. Deixá-lo às vezes durante 12 horas em uma escola integral me doía demais, e isso aconteceu algumas vezes. Houve um tempo em que eu ia buscá-lo na casa da professora. Minha sorte é que era uma relação muito aproximada, de respeito e de amor”, diz.
E o sacrifício valeu a pena não pelos prêmios que conquistou, mas sim pelas vivências e experiências que assimilou de muitos colegas e profissionais, como Daniela Lacerda com quem trabalhou pouco tempo, contudo, lhe ensinou muito sobre ética e cuidados com pautas, edição, pessoas. “Fabiane Cavalcanti (ex-editora de Brasil/ JC) também me ensinou a apurar com cuidado (parece óbvio, mas percebo que alguns profissionais consideram a prática irrelevante), e, no começo de minha vida de repórter, pessoas como André Galvão (JC) e Ceça Britto (DP), sempre me davam passagem para projetos e pautas diferentes. Isso é importante para o desenvolvimento de qualquer jornalista, pensar fora da caixa. Laurindo Ferreira e Ivanildo Sampaio (editores do JC) também tornaram vários projetos possíveis”, comenta ela que também se diz influenciada por muita coisa legal que vê atualmente com a produção da Agência Publica e A Ponte, coletivos de jornalismo. “Lá fora, tenho gostado bastante das matérias de Leon Dash, repórter especial do Washington Post, e do jornalismo praticado pelo pessoal do Narratively”.
Apesar das premiações ajudarem no reconhecimento, foram os colegas e amigos e o trabalho de muitos profissionais que contribuíram para sua formação profissional, e da mesma forma seus esforços trouxeram a comprovação do seu valor e ajudaram a ter liberdade de se pautar, inclusive. Contudo, para isto, é necessária a consciência de que esta é antes de tudo uma conquista e responsabilidade. “Até chegar ao momento de se pautar, você precisa provar para você mesmo, para o jornal e para os leitores que merece essa confiança. Toda relação jornalista-mundo está baseada em um contrato, o contrato de leitura cuja definição está nos livros da teoria do jornalismo. Novamente digo: não é algo simples, é algo que se conquista. E depois que você conquista, não fica mais fácil, pois há sempre a necessidade de se manter a qualidade do seu trabalho. Eu tenho absoluta certeza de que, se passar a me nortear por premiações e etc, e não pelo o que meu trabalho me exige, a qualidade do que eu faço vai definhar – e vou deixar de dar conta do que é relevante. Isso, no jornalismo, é morte”, ressalta.
Caminhando cada vez mais para a realização do próprio reconhecimento, Fabiana vem se diversificando, ampliando a carreira e instigando o olhar na profissão, assim como a própria comunicação. “O jornalismo está trocando de roupa, muito embora ainda não saiba ao certo para qual tipo de festa está indo. A carreira diversificada vem sendo ótima para a profissão, só amplia e instiga o olhar”, destaca Moraes, que tem enveredado para outro lado da escrita: “Os livros são uma nova seara, que ainda estou tentando aprender a observar – e caminhar nela. Geralmente os livros feitos por jornalistas recebem um olhar desconfiado da crítica e mesmo do mercado, como se a ficção fosse muito mais importante que a realidade. Aliás, nos EUA, por exemplo, não há uma distinção entre escritor e jornalista – todo jornalista é escritor”.
A escritora, que emergiu em consequência do trabalho de repórter, já tem na estante o sucesso dos livros Os Sertões (editado pela Cepe) e o Nabuco em Pretos e Brancos (Massangana), projetos que surgiram do enorme investimento de pesquisa. E agora está para ser lançado “O Nascimento de Joicy”. “Atualmente estou escrevendo outro livro, que é baseado em minha aproximação com um personagem. Este é mais desafiante, pois traz reflexões sobre os limites entre jornalista-personagem, algo que a teoria do jornalismo só dá conta, em grande parte, quando fala sobre fontes. E pessoas são bem mais que fontes, concorda?”, reforça Fabiana, que acredita que é mais uma no mercado editorial local que ainda precisa ser mais competitivo, investir mais em divulgação e distribuição, em sua própria opinião.
* Matéria perfil com a jornalista Fabiana Moraes que tem ensinado muitos a contar boas histórias, produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Agosto/ 2014, número 172
