
Em maio de 1519, morria na França o maior profissional plural da história da humanidade: o italiano Leonardo Da Vinci, uma das figuras mais importantes do Renascimento. Ele foi o talento mais versátil da Itália naquela época e destacou-se pelas suas habilidades em diversas áreas, figurando até a eternidade como cientista, matemático, engenheiro, inventor, anatomista, pintor, escultor, arquiteto, botânico, poeta e músico. No passado, escolher a carreira definia o futuro do homem na sociedade, uma perspectiva para ilustrar uma vida de sucesso ou de completa insatisfação, em alguns casos.
Nos dias de hoje, encontrar uma carreira desejável não elimina as possibilidades do profissional que deseja ir além das convenções. “Nesse aspecto plural, acredito que parte de um todo, uno indivíduo, se desenvolve, quando conseguimos buscar o melhor de suas aptidões e, principalmente do que pode dar prazer no trabalho e por meio dele. Seria uma convergência de vetores satisfatórios e complementares que dariam forma a um profissional que não se limita, que absorve conhecimentos de áreas distintas que se interligam, em algum momento, na complexidade das relações sociais ou apenas para atingir um objetivo empresarial”, opina Marcus Quintanilha Filho, executivo de contas corporativas da Rede Bahia (BA).
Cases do presente mostram que este cenário está crescendo a cada dia, especialmente no mercado de comunicação. Mas, esta flexibilidade dos profissionais de hoje está relacionada a uma nova perspectiva do mercado moderno em que a necessidade de se desdobrar e o acesso a novas tecnologias e informações, que trazem não só muito jogo de cintura, como perspectivas profissionais. Foi o que aconteceu com o publicitário alagoano Mateus Barbosa, da Agência Ec (SP). “Sempre senti que tinha facilidade em me expressar com palavras, mas escrever era um hobby para o qual tinha pouco tempo. E o que era um hobby, um exercício criativo, fica cada vez mais profissional na minha cabeça. Hoje, é uma forma de me realizar, fazer algo mais autoral, sem briefing, sem precisar responder a inputs do cliente, sem precisar vender sabonete. É uma forma de exercitar a criatividade fazendo o que quero do jeito que quero. Agora, escrevo contos de humor e crônicas”, comenta o criativo que já tem mais de 50 textos produzidos e conta ainda em conseguir com uma editora a publicação em alguma coletânea.
Na perspectiva do profissional, o hobby não só complementa o trabalho de alguma forma, como ajuda cada vez mais a profissão. “Desde criança sempre gostei de desenhar, marcas, logotipos, símbolos e coisas afins sempre povoaram a minha mente. Já na adolescência tive uma influência muito grande com o advento das novas tecnologias, o surgimento da internet, o que me levou para área de informática e me fez esquecer a idéia dos desenhos”, lembra o diretor de arte da GT Comunicação, Paulo Silva (PE), que, na época de optar por um curso superior, se ateve à Publicidade por falta das opções desejadas na área de informática em sua cidade. Contudo, hoje, consegue se realizar com a oportunidade que lhe surgiu de fazer curso de Engenharia de Software. “Surgiu da minha outra paixão não realizada e também da necessidade de respirar novos ares em minha carreira profissional. Outro ponto que me influencia muito é a constante mudança que a área sofre e também suas oportunidades de trabalho. Ainda estou começando a programar, porém, pretendo juntar as duas áreas de atuação”, destaca.
Este “Profissional Plural” navega por várias áreas e mostra que tudo é possível, inclusive se aventurar por estradas mais estrelares. “Eu sempre soube que queria trabalhar na área de comunicação, mas no começo do curso que jornalismo não era minha área e me apaixonei pela publicidade. E, há um ano, trabalho com mídia social. Mas, em paralelo, invisto na minha própria banda, a Banda Beija”, diz o Social Midia da Receba em Casa, Victor Moury (PE). A música, que sempre esteve presente na sua vida desde os 10 anos em eventos de família e amigos, tornou-se mais importante aos 17 anos. Nesta época, tomou a decisão de atuar mais profissionalmente iniciando a carreira em diversas bandas. Hoje, apesar da rotina e das dificuldades, consegue dar conta de tudo: trabalho, ensaios, apresentações e projeto futuro de gravação de um cd oficial.
Esta mesma experiência é vivida pelo jornalista Paulo Azevedo (PE), gerente de projetos da E.life (SP). “A música surgiu meio que por acaso, foi uma descoberta, também. Sempre fui muito ligado e gostava de cantar, mas foi quando eu participei do Ídolos (2006), que comecei a cogitar a possibilidade de fazê-lo de fato. Ser selecionado para o programa, inclusive, foi uma grande surpresa”, lembra. Como fã da versão americana, arriscou e se inscreveu por diversão em audições que aconteceriam no Recife, nas quais foi classificado. O relacionamento com os demais concorrentes, a participação em workshops e os conhecimentos técnicos não só ajudaram a chegar à semifinal, como também a dar mais um passo: enveredar para a carreira artística com sua própria banda (“Valentino & The Pussylovers”). “Cantar sempre me fez muito bem. Posso até garantir que é o que eu mais gosto de fazer na vida. Por ora, este lado da minha vida está meio paradinho, porque a banda está no Recife e eu ainda estou me adaptando à vida paulistana. Mas, ainda é algo importante para mim e eu estou pensando em montar outra banda, para começar a fazer shows, novamente”, comenta.
A descoberta por acaso da música também foi o estopim inicial para o mundo da música do publicitário Felipe Ferreira, analista de negócios da Ampla Comunicação (PE), que assumiu esta desconhecida paixão em 2005. “Tocava violão em casa e em rodas de amigos, como meu avô, e numa dessas fui ‘descoberto’ por um empresário, que, por coincidência, era publicitário também. Convidou-me para montar a Nitro com mais três pessoas que nunca vi na vida, mas que hoje são meus grandes amigos. E isto acarretou em shows em Recife e no Nordeste, o que me fez pensar, inclusive, em seguir por este caminho”, diz. O amor de infância pela publicidade deu lugar em seu coração a outros interesses que foram progredindo nos quatro anos da Nitro, depois da Only Stones (que durou dois anos) e agora com a Soho e a Soma, respectivamente com seis e três meses. “Vi que a publicidade sempre falou mais alto, mas nunca consegui abandonar completamente a música e toco até hoje. A satisfação e dinheiro sempre andam juntos. Adoro música e cantar e, é claro, o dinheiro ajuda no orçamento”, frisa.
A ajuda financeira proporcionada pelo hobby é sempre um destaque importante e uma lição que aprendeu a administradora Ileane Raéli da assessoria de comunicação da Secretaria de Turismo do Recife (PE), que vem desenvolvendo profissionalmente a atividade de maquiadora com muito sucesso. “Eu sempre levava minha bolsinha dentro da bolsa e eventualmente as amigas me pediam para maquiá-las. Então, comecei a maquiar e agora ganho um bom dinheiro com isso, desde 2010”, diz ela que procurou outras atividades que pudessem mexer com suas habilidades. Foi tomando gosto pela coisa, percebeu que tinha tino para o ramo e passou a conciliar o trabalho oficial com este hobby, que já sonha em transformar em negócio futuro. “Penso em colocar minhas habilidades e competências, como administradora, num centro de beleza. E, futuramente, quem sabe, poder transformá-lo em um centro de estética, que é o ‘boom’ do momento para os brasileiros”, ressalta.
Muitos profissionais ainda apostam na pura realização pessoal, como o sócio da Six Comunicação (AL), Leo Villanova, que começou a trabalhar em publicidade quando ainda era estudante de arquitetura e urbanismo. Mas, em paralelo, sempre teve uma predileção pela fotografia, que lhe trouxe não só diversas oportunidades, como uma incrível satisfação pessoal. “A relação com a fotografia tem a ver diretamente com o meu interesse com a arte. Durante muito tempo, eu trabalhei paralelamente também em redações de jornais e revistas. Daí, vem o meu olhar fotográfico mais voltado para o factual, um estilo mais para o fotojornalismo”, destaca. Normalmente, costuma viajar somente para fotografar, para documentar. E o resultado deste trabalho foi a publicação de alguns ensaios em revistas e jornais. “Tento manter o meu site alimentado com esse material, mas o tempo é pouco. Por este motivo também não consigo fazer uma exposição. Tenho um projeto de um livro em parceria com um amigo, que é jornalista, com haicais a partir de fotos minhas”, informa.
Fazer o que se quer, como quer e de forma coletiva também permeia a vida e a carreira do programador Felipe Machado de O Escritório (PE), conhecido como Original DJ Copy. O profissional, que teve diversas experiências distintas ao longo da vida, trabalhou por um bom tempo só com programação. Mas saiu deste universo para virar estagiário em estúdios e produtoras de áudio, como a Luni Produções (PE). “A música sempre esteve em paralelo em sua vida. Ouvia um som que outros na minha localidade (Jordão Alto), às vezes, não ouviam. Contudo, não sacava de softwares de áudio. Frequentava uma loja no Centro de Recife e ia tocando alguma coisa, mas não tinha afinidade com instrumentos para ser músico e ai foi um caminho natural virar DJ.”, lembra ele que, quando trabalhava com tecnologia, começou a copiar Cds para a DJ pernambucana Lala K, que o convidou para o projeto Sem Loção. Este foi o pontapé inicial para sua inserção de fato no mundo da música, aliando o que ele entende melhor: som e tecnologia. Hoje, com uma carreira reconhecida na área, divide seu tempo entre a empresa que ajudou a fundar, a agenda de eventos e os diversos projetos que assume frequentemente. “Tento ao máximo trabalhar com o que gosto e consigo conciliar, porque sou bastante hiper ativo. Tenho capacidade de fazer várias coisas e não dá para fazer tudo. Por isto, tenho que fazer sempre um balanço do que dá para fazer no dia a dia. Nos projetos mesmo, não faço nada sozinho e sempre busco integrar novos atores, até mesmo porque fui muito ajudado”, frisa.
* Matéria produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Março/ 2012, número 144.
