Imagine um multiuniverso chamado Archin em que personagens de histórias de ficção científica e fantasia vivem suas vidas desconhecendo o fato de serem todos integrantes da mesma entidade universal. Agora, imagine que esses agentes distintos se integram com o público por meio de jogo de RPG, board game (jogo de tabuleiro) e card game (jogos de cartas) e um videogame utilizando a tecnologia em desenvolvimento dos óculos digitais. Esta é uma realidade no audacioso Desire de Daniel Yuji Abrahão, arquiteto que idealizou este projeto há 20 anos, em desenvolvimento multiplataforma com a colaboração de amigos. Este talvez seja o maior empreendimento que ganha com o tempo a forma de uma saga com esta pegada, realizada no Brasil e no mundo, e que traz todas as possibilidades oferecidas por este admirável mundo que as novas tecnologias proporcionam. “Usar diferentes meios para transmitir uma mesma mensagem parece redundante, mas não em um novo cenário onde a diversidade dos meios influencia relações humanas e a relação destas com o mundo ao seu redor. É cada vez maior a amplitude das características pertencentes a grupos antes identificados apenas por sua cidade, sexo, idade e classe”, diz Rodrigo Vanzan, CEO da 4Buzz (SP).
Para o empresário, não foi possível conter essa massa dentro de um grupo restrito de meios, apesar de ter sido possível compreender e mapear milhares de públicos distintos. E por isso que vemos que cada vez mais este mundo global e pluralizado vai exigir novas formas de se comunicar com o outro, de se interagir com os stakeholders e de criar relações entre pessoas. “Ao mesmo tempo em que acompanhamos a evolução dos públicos, ocorreu uma inversão: os meios não figuram mais como um ponto de encontro de determinados perfis consumidores, são consumidos por eles. Este movimento faz com que a comunicação multiplataformas cresça para atender hábitos e preferencias muito distintas de grupos que demograficamente atendem aos mesmos requisitos. No Brasil este crescimento proporciona acessibilidade aos pequenos anunciantes, abrangência para grandes anunciantes e relevância de informação para os consumidores”, enfatiza Vanzan.
No mundo atual já é possível se manter conectado e informado de várias maneiras, apreciar e ser apreciado ou cortejado de muitas formas, interligar processos e projetos de muitas maneiras para que cheguem a um público maior. Não é a toa que segunda tela, multiplataforma, internet das coisas já são perspectivas mais do que futuristas, elas são uma realidade cada vez mais crescente, especialmente para as futuras gerações. “O modo de fazer comunicação mudou muito, nossas campanhas agora têm um desafio novo que antes era preocupação de designers e desenvolvedores. A partir do momento que a comunicação precisa integrar o universo da UX (user experience, ou experiência do usuário) se troca o conceito de consumidor para prosumer (aquele que produz conteúdo, além de ser consumidor), este que qualifica as marcas, critica, opina, faz as pazes e têm relacionamentos com as empresas. Mas, ao contrário da premissa que existia há décadas atrás, o ‘consumidor fiel’, foi se transformando em ‘potencial consumidor’. A briga por leads e pela possibilidade desses clientes darem um testemunho sobre as marcas se tornou algo com um valor cada vez maior”, comenta Agnes Pires, gestora de Mídias Digitais da MV2 Comunicação (PE).

As tendências multiplataformas estão crescendo, e naturalmente muita coisa muda com este avanço em especial no que diz respeito ao trabalho e as ações de comunicação. E essa transformação se espalha para diversas outras esferas, e sendo assim não adiantar pensar ou tentar restringi-la em um único aspecto, ou meio, e universo. Ela é em toda sua forma e essência é um sistema plural que dá margem para várias aplicações. “Dentro do mercado de mídia programática houve um bom crescimento no número de tecnologias que permitem integração da publicidade entre aparelhos e entre meios. Acho que talvez esse seja o motivo dessa tendência que você percebeu. Hoje, principalmente no mercado onde a venda de mídia offline também é programática, é possível sincronizar campanhas para horários, ou para que elas mostrem diferentes peças em diferentes formatos para o mesmo usuário, o que reforça bastante a capacidade de mensurar os resultados da campanha de forma integrada”, ressalta Guga Mafra, CEO da boo-box/FTPI (SP).
Com isso, a forma como é pensado e planejado o trabalho recebe interferências, contudo, pode-se concluir que tanta mudança também traz muitas contribuições para o mercado, os investimentos em propaganda e para a programação dos veículos. Entretanto, o que pode parecer uma coisa nova, não é tão inédita ao avaliarmos tudo isso com amplitude. “Se olharmos para os usuários das multiplataformas poderemos entender um pouco melhor. Não consumimos (informação, entretenimento, produtos…) de forma linear e unidimensional. Ao ler um livro, procuramos conteúdos complementares sobre o autor, o lugar e narrativas complementares. Fazemos isso com notícias, livros, filmes, educação etc. Os estudiosos de literatura já falavam de literatura estendida. As narrativas são o centro da experiência. Ela pode ser ampliada para várias dimensões e processos. Além de multiplicar as fontes de receitas dos produtores, dando sobrevida aos produtos, permite ao usuário adensar suas experiências com aquele conteúdo. Para o Brasil, é uma oportunidade de transmidiatizarmos ou de multiplataformizarmos nossa produção, mesmo nas ações de marketing e de comunicação”, lembra Eduardo Murad, coordenador da graduação em Comunicação Social do Ibmec (RJ).

Esta nova tendência proporciona e proporcionará um impacto bem real ao mercado de consumo nacional a partir de uma maior diversificação da comunicação em dispositivos, meios on e off-line e das narrativas. E desta forma muito há de se esperar. “O que importa na criação de estratégias multiplataformas é a condução coerente da narrativa e a exploração inteligente dos atributos oferecidos por cada meio. Ações que cumpram estes requisitos geram sinergia, substituindo a sobreposição de mídias por crossmedia. O resultado desta abordagem é traduzida em maior distribuição de verbas entre os meios, aumentando o investimento global do anunciante na maioria das vezes. Em resposta a isso, os meios buscam uma abordagem multimídia de seus conteúdos, enquanto agencias descentralizam seu conhecimento buscando uma abordagem 360º”, lembra Rodrigo Vanzan.
São tantos os “multimeios” disponíveis nos dias de hoje que trazem uma gama de oportunidades, que apenas um sistema como este poderia proporcionar. Esta capacidade de transgredir as linhas dos meios convencionais, de poder se adaptar a distintos formatos de comunicação e alcançar um quantitativo imensurável de pessoal é o seu grande diferencial para o mercado moderno e o novo desafio para a criatividade contemporânea. “O pensamento multiplataforma já está presente na comunicação contemporânea. Dependendo do produto, nos permite ter uma estratégia consistente, mas adaptada a vários públicos ou mesmo trabalhar um mesmo público de diferentes formas, a partir de seus múltiplos interesses. Precisaremos, ainda mais, ter um pensamento em rede. Uma lógica multidimensional de entender o que estamos comunicando e como os públicos poderão interagir e reagir. Isso não se dá apenas nos ambientes digitais. O ambiente físico também deve ser entendido como plataforma”, reforça o professor Eduardo Murad.
* Parte de Matéria de capa produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Fevereiro/ 2016, número 190
