
Esta maneira de ver e identificar o público feminino com suas características próprias, longe dos estereótipos não só foi um grande sucesso como teve diversos desdobramentos ao longo desses 12 anos de existência do posicionamento “Dove pela Real Beleza”. Em um mundo em que a comunicação segmentada por gênero não as contemplava, a proposta trouxe peças de impacto em que mulheres de qualquer forma e idade foram privilegiadas com o argumento que “beleza é um estado de espírito e que o poder de se sentir bonita vem de dentro”. Um posicionamento que partiu da iniciativa de valorizar as consumidoras que revelaram a visão de si mesmas em uma pesquisa mundial (“Você se acha Bonita?”), realizada em mais de 20 países. “A campanha Real Beleza não só foi pioneira em mostrar a beleza feminina sob uma perspectiva diferente e verdadeira, como também exibiu mulheres negras, e passei a me ver também representada na campanha. E com isso foi uma divisora de águas, em minha opinião. Até então, muitas campanhas ainda traziam a imagem estereotipada das mulheres – donas de casa, gostosas, mães, etc. Acredito que hoje em dia as marcas estão mais cuidadosas com as mensagens que divulgam, seguindo o exemplo da campanha bem sucedida da Dove”, destaca Dilma Campos (SP), diretora do Comitê Women Empowerment da AMPRO – Associação de Marketing Promocional e CEO da agência Outra Praia.
O estudo “A Real Verdade sobre a Beleza”, aplicados pela empresa de pesquisa StrategyOne utilizando os serviços de campo da MORI International, teve como amostragem um público de 3.200 mulheres com idades variando de18 a 64 anos. E seus achados foram detalhados em artigo técnico na época, 2004, que destacou por exemplo que a maioria das entrevistadas não sentiam o o poder ou o orgulho da beleza. Apenas uma minoria das mulheres se enxergava como acima da média em aparência, e somente 2% alegavam ser bonitas. Tomando-se como referência o contexto de bem estar e autoestima, observou-se que pessoas de culturas ocidentais (mas não da Ásia Oriental) se classificavam como acima da média em tudo, desde gentileza, inteligência e popularidade até suas habilidades como parceiras, pais ou funcionária, motorista. Neste sentido, “Normal” era excepcionalmente uma classificação inferior. E, em termos gerais, as mulheres estavam menos felizes com sua beleza do que com praticamente todas as outras dimensões da vida, com exceção do sucesso financeiro.
O resultado disso tudo gerou uma busca pela “transparência” na personificação da mulher em campanhas sensíveis e de impacto para mulheres de diversas, raças, formas, faixas e classes sociais no Brasil e no mundo: “Evolution” (2006), “Beauty Comes of Age” (2007), “Retratos da Real Beleza” (2011), “Escolha ser bonita” (2015) e “Existe Beleza Fora da Caixa” (2016). “Acho que o mercado publicitário anda correndo atrás do tempo perdido. É um segmento que, apesar de se enxergar como moderno e revolucionário, demorou a compreender a questão do protagonismo feminino e ainda hoje não sabe bem como se posicionar/comunicar. Ainda temos muito o que evoluir, mas é muito fácil perceber que há esforço nesse sentido. Enxergo também um esforço por parte do consumidor que, apesar de muito crítico, compreende esse momento de fragilidade e dialoga com a marca. Os publicitários e marcas que conseguirem se dar conta disso sairão ganhando”, ressalta Mayumi Sato, diretora de marketing do portal Sexlog (SP).
Em sua avaliação, há um posicionamento no geral do mercado com relação à mulher, com as marcas se comunicando com as mulheres de forma mais expressiva e que vai além da comunicação oportuna em datas comemorativas com o objetivo de surfar numa onda e gerar faturamento. “É preciso tratar o consumidor com respeito. Abraçar a questão do feminino na missão e valores da empresa durante o ano todo. Isso garante que as campanhas sejam coerentes e bem recebidas por esse público”, enfatiza Sato, que cita como uma referência bem sucedida campanha criada pela ESPN. Em recente projeto, criado pela Africa, a empresa realizou uma homenagem as mulheres e enfatizou a importância de trazer cada vez mais conteúdos que privilegiem suas realizações no esporte.
“Pessoas amantes de esportes foram convidadas a descobrir quem eram os esportistas retratados em vídeos que escondiam suas identidades. 100% das respostas indicavam atletas masculinos, mas eram todas super atletas mulheres”, lembra Mayumi. A campanha “Invisible Players” traz um curta de 2’ que começa com uma pergunta simples que se torna um dos questionamentos mais simbólicos desta questão: “O quanto você sabe sobre esportes?”. No institucional são retratados alguns lances de diferentes esportes (basquete, futebol e surfe) com atletas não identificados para que convidados de ambos os sexos identificassem esses atores anônimos. E a surpresa foi a indicação de nomes fortes como Neymar, LeBron James e Medina, o que leva todos perceberem que, em momento algum, haviam cogitado ou mencionado alguma atleta feminina, fazendo-os encarar uma realidade: “Você pode até saber sobre esporte, mas se não acertou as respostas, precisa aprender mais sobre o poder da mulher”.
Entender com quem se fala e saber como transmitir essa mensagem ainda é um grande desafio, mas as marcas não se dão por vencidas. E novas formas de se comunicar estão ganhando cada vez mais as mídias e gerando toda uma nova visão da propaganda feita para dialogar com elas, todas as suas esferas de atuação. Afinal todas querem alguma coisa como mostra a campanha da marca esportiva Under Armour, que reuniu a bailarina Misty Copeland, a modelo Gisele Bundchen, a esquiadora profissional Lindsey Vonn e a tenista Sloane Stephens no projeto I Will What I Want (“Eu serei o que eu quero”, numa tradução em português), criado em 2014, pela Droga5 de Nova York. “I Will What I Want da Under Armour me marcou recentemente porque teve a sensibilidade de ilustrar a força da mulheres sem usar a estética perfeita e felicidade plena”, destaca Fabiana Baraldi, sócia e diretora Executiva de Atendimento e Mídia da Ampfy (SP).
Para a publicitária, apesar do Brasil ter uma diversidade de mulheres, é fundamental se ter em mente que o comportamento e a forma como elas realmente querem ser ouvidas não segue um modelo ou está preso a estereótipos. “Definitivamente, este é o caminho mais retrógrado. Mas ainda somos uma minoria em cargos de lideranças, enfrentamos preconceitos (muitas vezes velados), somos comparadas e direcionadas a se moldar ao universo masculino. Isso sem falar do desequilíbrio salarial. Mesmo assim, não desistimos e não nos conformamos. A competência deve ser medida por resultado, não por sexo. O respeito deve ser a premissa de qualquer contexto”, enfatiza Baraldi. E é isso que a campanha da Uner Armour promove nos quatro filmes de 60”, que mostram em áudios, textos multimídias e testemunhos que independente de quem sejam, inclusive em relação a origem e características, as mulheres tem que ultrapassar diversas barreiras e percalços no caminho. ais do que beleza, discursos mostram força das mulheres na propaganda
* Matéria produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Julho/ 2016, número 195

