Um filho que sempre surpreende para o bem ou mal é uma forma de definir a teledifusão que começou a dar os seus primeiros passos há cerca de noventa anos. Um fenômeno mundial que trouxe uma nova forma de informação, lazer e entretenimento, barata e gratuita, para uma quantidade infinita de pessoas. Uma revolução na comunicação que alcança um novo patamar no Brasil, que vem se movimentando desde 1996 para o sistema digital com a chegada das TVs por assinatura. Agora, concretiza-se na cidade de Rio Verde (GO), no dia 3 de março, nesta que é a primeira no cronograma do governo a entrar de vez no mundo digital da televisão, obrigatoriamente até 2023. “A TV digital no Brasil é uma realidade, embora ainda recente e emergente. Existem diferentes modelos, sistemas e padrões de TV digital. Para definir o mais adequado para o país, é necessário um conjunto de especificações técnicas para a implantação do sistema. Ainda tem muita coisa a ser feita no Brasil, inclusive o desligamento do analógico”, diz Camila Leoni, sócia-diretora da LB Comunica (SP). A implantação da TV digital mexe completamente com o modelo da radiodifusão brasileira e aumenta a possibilidade de ofertas para o telespectador em termos de grade de programação, serviços adicionais e recursos interativos. Mas, de fato, o que deve ser questionado não é apenas os rumos que irá tomar com o desligamento do sinal analógico. Devemos nos perguntar antes de mais nada se estes supostos avanço e inovação refletirão a diversidade, a pluralidade e as possibilidades que o novo sistema propõe. “No Brasil, do ponto de vista tecnológico, estamos na ponta do avanço mundial, uma vez que o padrão de televisão digital adotado aqui é o ISDB-TB, uma adaptação do ISDB-T (Integrated Services Digital Broadcasting Terrestrial), padrão japonês acrescido de tecnologias desenvolvidas nas pesquisas das universidades brasileiras”, diz Cleo Nicéas (PE), presidente da Asserpe (Associação das Empresas de Rádio e Televisão de Pernambuco.
A mudança na faixa 700 MHz de radiofrequências (mais especificamente, 708-803 MHz) vem sendo discutida e trabalhada de forma crescente com o seu aumento progressivo no setor fechado, e privado. Por determinações políticas, em meados dos anos 2000, foram ampliados estudos e pesquisas que avançaram e estimularam cada vez no país mais esta alteração da frequência, atualmente usada pela TV analógica. O decreto n° 5.820, de 2006, selou o processo de modernização para proporcionar melhor qualidade do nosso sistema de radiodifusão e até instaurar definitivamente a democratização da comunicação e a integração digital da sociedade. “Na minha visão, estamos atrasados com a implantação, e isso está nos fazendo perder ‘terreno’ quanto à inovação que nosso padrão tinha frente aos demais, quando do tempo que foi adotado. E isso é um problema”, enfatiza o consultor de TV digital, Tom Jones Moreira (SP) do Forum SBTVD (Fórum Brasileiro de TV Digital Terrestre).

A introdução desta nova tecnologia vem ocorrendo em vários países do mundo ao longo de quase 20 anos, e com previsão de concretização em pouco tempo, provavelmente. O que coloca realmente o Brasil atrás nessa corrida pela alteração da teledifusão. Os Estados Unidos foi o primeiro a finalizar as transmissões analógicas e iniciar transmissões exclusivamente em formato digital, em 2002, com a adequação de todas as estações no país. No Japão, o processo se iniciou em 2003 e atingiu 84% dos domicílios (39,5 milhões) em três anos, após o seu lançamento em 2003. Apesar de ter sido a primeira a dar o pontapé inicial em 1998, Reino Unido, Inglaterra, alcançou 65,9% das suas residências com acesso em 2005. E como este Estado da Inglaterra, diversos países da Europa e alguns da Ásia e da Oceania adotaram, começaram ou encerraram seus processos de implantação e transmissão com o novo padrão, antes do brasileiro. “A televisão digital tem avançado mais nos grandes centros, onde as emissoras têm feito maiores investimentos. Mas o Brasil tem mais de cinco mil municípios, e há um certo atraso na implantação por parte das empresas radiodifusoras”, defende Marcelo Sampaio Alencar (PB), professor titular da UFCG e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Telecomunicações.
Passamos definitivamente da era analógica e estamos cada vez mais no processo de modernização da difusão para proporcionar melhor qualidade do nosso sistema de radiodifusão, e até instaurar definitivamente a democratização da comunicação e a integração digital da sociedade. E este é um dos maiores desafios do país atualmente, de acordo com o próprio Ministério das Comunicações, que completou em fevereiro 49 anos. “A TV é a mesma desde os anos 50 no Brasil,e a chegada do sinal digital traz, além da imagem de alta definição e áudio de cinema, uma promessa de expansão do sinal, que pode chegar em áreas onde hoje o sinal analógico não chega. E com um grande diferencial que é com qualidade. As pessoas esquecem que hoje o que se chama de área de cobertura da TV analógica não leva em conta a qualidade do sinal ou da recepção. Com a TV analógica, você tem chuviscos e chiados e isso está dentro da chamada área de cobertura como ‘sinal recebido’. Na TV digital, como se trata de 0 (zeros) e 1 (um) ou você tem sinal ou não tem. Dessa forma, a área de cobertura pode finalmente ser entendida e estendida à populações que hoje só recebe chiados e chuviscos”, enfatiza Moreira.
De fato, a realidade da teledifusão brasileira é o acesso restritos a alguns a uma recepção de qualidade, seja em virtude do privilégio de recepção pela localização ou pela assinatura de planos da tevê paga. E, diante deste quadro, a revolução se faz mais do que bem vinda como ainda essencial para a sociedade, provocando disseminação e universalização de um sistema que beneficie todos. Mas, apesar dos esforços, ainda há muito o que ser feito e um dos passos para ampliar esse acesso à informação e entretenimento (e possivelmente novo instrumento de negócio) depende dessa expansão da nova tecnologia. “Este avanço permite mais facilidade para o cidadão a serviços básicos de informações e favorece uma mudança de comportamento, em que o consumidor passa de uma relação passiva diante do meio televisivo para uma atitude mais participativa, integrada e interativa. Além disso, o processo interativo favorece a inclusão digital, com projetos de educação a distância e treinamentos, dentre outros”, destaca Leoni.
Este sistema representa desta forma um novo marco da história da televisão no país que desde 1960 já vivenciou quatro mudanças de impacto. E a adoção da TV digital talvez seja a revolução definitiva dos meios de comunicação, especialmente para as novas gerações cujo acesso às mídias é multiplataforma. “A TV está mais do que pronta para ingressar na era digital, fato que para outros setores já ocorreu há certo tempo, como serviços, comércio, telefonia, entre outros, que já estão digitalizados há pelo menos 10 anos. Portanto, esse avanço segue o fluxo do benefício proposto pela tecnologia e, na minha opinião, só traz vantagens”, comenta Cleo Nicéas. Além disso, gera novas possibilidades e oportunidades no país, gerando novos mercados que se beneficiam igualmente com este avanço.

“Primeiramente, há um grande mercado para a substituição de todo o sistema analógico de geração, produção, edição, gravação, processamento e transmissão de programação digital. Há também um enorme mercado para a troca dos aparelhos analógicos pelos digitais, estimado em sessenta milhões de novos televisores, que deve ser aproveitado pela indústria. Além disso, existe um mercado para produtos digitais associados à televisão, pouco explorado, para empresas de comunicação e propaganda que entendam o novo modelo, e para o comércio eletrônico em geral”, ressalta Alencar. Para o especialista, é importante que a iniciativa privada esteja alinhada com o processo para que a televisão digital possa atingir todos os lares e estimular esses negócios. É preciso o comprometimento e investimento na substituição dos equipamentos analógicos existentes, dando prosseguimento a este caminho sem volta para o novo momento da difusão brasileira.
A TV digital carrega um incrível potencial de aumentar radicalmente todas as capacidades que o mundo da tecnologia pode proporcionar para a sociedade e para o mercado. Uma questão importante que devemos considerar já que o país está realmente passando por um avanço. Mas como ainda temos pendente a questão da interatividade e da própria inclusão digital, até onde podemos chegar? “No Brasil a discussão sobre a inclusão digital é recorrente e o Governo Federal inclusive criou o portal de inclusão digital, além de outros projetos desenvolvidos por governos estaduais e municipais. Mesmo com as iniciativas criadas, ainda há bastante coisa que precisa ser feita num país onde muitas pessoas não têm acesso à luz, educação e várias outras necessidades que são direitos básicos de qualquer cidadão”, diz Camila.
* Parte de Matéria de Capa produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Abril/ 2016, número 192
