Ligado ao começo do capitalismo, o conceito das classes sociais teve seu inicio a partir dos impactos causados pela primeira revolução industrial. Naquela época, Karl Max escreveu o manifesto comunista com Friedecrich Engels, em que determinavam em linhas gerais que a sociedade poderia ser divida em duas classes: a dos explorados (proletariado) e dos exploradores (proprietários e burgueses). Com o tempo e as mudanças do mundo, este modelo clássico ganhou uma nova abordagem pelo sociólogo Max Weber, em que a sociedade passou a ser categorizada em termos econômicos e de renda. Sistema este que até agora era usado no Brasil. Uma classificação que mantinha cada vez mais em destaque as discrepâncias entre uma e outra camada da sociedade, em especial a C que mais alcançou mobilidade social e chegou a crescer cerca de 20% nos últimos 10 anos.
“No ano 2000, uma família da classe C era retratada através do Critério de Classificação Econômica Brasil – CCEB, onde possibilitava ao grupo familiar que chegasse numa pontuação de 11 a 16 pontos, o status de ‘classe C’. Para isso, por exemplo, uma família precisaria ter 4 ‘Rádios’, 1 ‘Banheiro’, 1 ‘TV’, 1 ‘aspirador de pó’ e 1 ‘videocassete ou DVD’. Pronto! 11 pontos. Mas se a família possui além desses itens, 1 ‘geladeira’, mais 1 aparelho de TV e o ‘chefe’ da família possui ‘colegial completo’ já temos uma família classe ‘B’ novinha para contabilizar. É esse público ‘B’ que está no inconsciente coletivo? A resposta é ‘não’. Pensamos na classe B como indivíduos próximos ao topo da pirâmide. Somos bombardeados com informações distorcidas ditas sem nenhum embasamento técnico. E nem podemos falar em consumo individual. Nosso PIB, nossas pesquisas, nossas opiniões ainda são baseadas no consumo das ‘famílias’”, segundo o publicitário e economista, Marcus Quintanilha Filho (BA).
O consumo parece hoje na maior parte das discussões sobre o assunto. E por motivos plausíveis. Na atual “classe média” foram inseridas cerca de 30 milhões de pessoas, em 10 anos. Um crescimento vertiginoso que mudou o padrão de consumo da sociedade que migrou de consumo familiar por necessidade para consumo por interesse individual, após da década de 60. Mas, durante muito tempo, as análises deste consumo e do comportamento do cidadão brasileiro permaneceram as mesmas. “Todas as Bases de Dados e Sistemas de Informação precisam se atualizar para acompanhar essas novas mudanças, e com isso, manter o padrão de geração de indicadores confiáveis sobre o perfil social das pessoas. Outra interessante mudança, é que cada vez mais o perfil social das pessoas é constituído por variáveis multifacetadas, o aspecto rendimento é apenas um dos diversos elementos que compõem esse indicador, isso demonstra que o padrão social das pessoas vai além do quanto elas ganham, abrange também, qualidade de vida e outros aspectos importantes para a ascensão social”, diz Gustavo Aragão, diretor da GlobalPlanning e professor da Faculdade Salesiana do Nordeste (PE).
Ele pontua que a classe C é influenciada pela classe A que é um público formador de opinião e que determina as regras de consumo. Contudo, estamos acompanhando também um novo fenômeno que ele chama de “impressão da cultura das classes sociais”, quando se observa as pessoas do topo da pirâmide adotando algumas tendências daquelas menos abastadas. “Na prática, isso quer dizer, que um jovem rico também pode gostar de funk, pagode e da cultura da periferia. Outro comportamento interessante é que antes as pessoas buscavam satisfazer suas necessidades básicas como uma prioridade, hoje em dia é comum que as pessoas procurem satisfazer anseios ligados à seu nível de interação com as marcas, ou seja, ter um tênis da Nike é mais importante do que almoçar bem e de forma balanceada todos os dias. É notório que esse fenômeno mostra um desequilíbrio onde a mercantilização da educação gera um cenário onde absolutamente tudo é produto, inclusive seus sentimentos”, diz Aragão.

Tudo isto quer dizer que há muito a se considerar com a nova classificação, que mostra certos aspectos com mais nitidez a partir de uma avaliação baseada numa amostra nacional de mais de 55 mil domicílios, projetável para a população de domicílios brasileiros. Pelo novo sistema, a estratificação é identificada pelos números 1 a 7, sendo o sétimo a mais baixa, e com isto cresce o número de brasileiros mais ricos e mais pobres, as atuais classes A e E. “Com o cenário econômico mundial, onde os principais players do globo voltaram suas atenções ao Brasil, foram surgindo oportunidades novas de trabalho, inclusive em postos altos que antes eram ocupados por estrangeiros, isso fez com que houvesse maiores salários sendo ofertados e o poder aquisitivo subiu. Por outro lado, temos uma população que vivia na extrema miséria que, com os programas assistencialistas, começaram a ter algum poder aquisitivo e passaram a pertencer a um grupo de consumo, eles também impulsionaram a economia quando começaram a consumir e gerar postos de trabalho para produzir este aumento na demanda”, enfoca a consultora Larissa Maçães da paulista TNVG – The New Venture Group.
Para a especialista, que vem desenvolvendo diversos projetos na área de gestão no varejo, este novo poder aquisitivo do público alcançou um patamar crescente em termos de mobilidade, engordou tanto a classe C que acabou transformando a pirâmide econômica em um pião. Ele transformou a idealização em realidade, o desejo de fazer parte se tornou ostentação. Mas, ainda sim, este padrão de comportamento traz um novo grande problema, um abismo cultural. “Este novo sistema de estratificação social veio para corroborar o que as grandes empresas já descobriam em suas pesquisas, quem tem diferencial competitivo, já está trabalhado para este novo público. A população que passou da ‘classe média’ para ser classe A é uma população que cresceu em um momento de restrições e que sabe o valor do dinheiro; quer grife, marca, luxo e status, mas que sabe quanto vale. Por isso investe muito em viagens e compra os seus bens de consumo no exterior. Não é estranho você ver seus amigos indo até ali em Miami, etc, comprar o enxoval do bebê, os itens da festa de aniversario, as panelas da casa de praia. Eles agora fazem parte deste mundo que era só inoperacional, mas não se sentem aceitos totalmente”, destaca Maçães.
Apesar do salário ser normalmente a fonte de renda assim como custo para o empresariado, neste caso, observamos que diversos outros fatores contribuíram para a mobilidade social como a vemos hoje. Com a nova proposta, aponta-se um aumento de 13,94 milhões de brasileiros (7,3%) para 29,6 milhões (15,5%), nesta primeira camada. Enquanto a atual classe D recua de 62,6 milhões de pessoas (32,9%) para 42,9 milhões (22,5%). Inclusive, diante da nova realidade, a última parcela da população, o grupo considerado Pobre e Extremamente Pobre, segundo os estudioso, chega a cerca de 15% dos lares brasileiros. Desta forma, fica cada vez mais evidente o quanto o aumento da renda inchou a classe média, que hoje representa 52% da nossa população, mas que provavelmente irá diminuir em virtude dos novos critérios a serem adotados. Esta rapidez no avanço de uma margem da sociedade para um padrão de consumo almejado marca como funciona antes de tudo o sistema econômico brasileiro.

“No nosso estudo, o que vimos foi a emergência de uma classe de novos consumidores, domicílios pobres que se tornaram relevantes como consumidores. E a emergência desses novos consumidores também tem um efeito multiplicador social e econômico muito importante. A pobreza tende a se concentrar geograficamente (favelas nos grandes centros, vilarejos no interior do Norte-Nordeste, etc). Portanto, essa nova demanda para produtos e serviços básicos tende a surgir nesses focos onde se concentra a população pobre, criando oportunidades aos vizinhos mais empreendedores, que abrem seu ‘boteco’, ‘mercadinho’ ou ‘cabelereira’ dentro de suas casas. Esse é o efeito multiplicador econômico dessa nova demanda por produtos e serviços básicos. Também representa um efeito multiplicador ‘social’ porque difunde o instinto empreendedor entre os estratos mais pobres da sociedade, e cria novas expectativas para o futuro”, ressalta o pesquisador e professor Wagner A. Kamakura, da Jones Graduate School of Business da Rice University, em Houston (Texas, USA).
* Parte de matéria de capa sobre Estratificação Social, produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Fevereiro/ 2014, número 166.
