
Dentro da perspectiva mercadológica, o objetivo fundamental de uma marca talvez seja se tornar eterna ou inesquecível. E o mais incrível é quando ela consegue sobreviver por séculos a fio, mesmo que tenham que passar por reformulações em suas estratégias de marketing, com o passar do tempo, seja em seu visual ou até mesmo em sua receita inicial. Muitas são foco dessas diversas transformações ao longo de décadas, e na maioria das vezes desconhecemos alguns detalhes curiosos que marcam a força de sua resistência, inclusive na comunicação para se tornar lembrada.
Um exemplo é Vick Vaporub, pomada usada contra obstruções em casos de gripe e resfriado, criada por volta de 1880, mas que se tornou mais popular após a década de 60 com um forte trabalho de propaganda na época. A ideia de que o produto era ideal para a saúde da criança sempre foi a tônica de sua comunicação que sempre conseguiu explorar como poucas a relação afetiva entre pais e filhos em um momento único, que simboliza carinho, atenção, preocupação e amor. “No caso de Vick Vaporub, acreditava que o comercial era feito para mim. Eu tinha muita asma e muitos daqueles sintomas que o comercial citava eram meu dia a dia. Além disso, o ator mirim (Luciano Amaral) regula com a minha idade e naquela época éramos muito parecidos a ponto de um dia no supermercado perguntarem para minha mãe se eu era o menino do Vick Vaporub”, diz o sócio-fundador da Agência Linka (SP), Lucas Burza, que assume que a marca foi tão assertiva que a compra para usar nos próprios filhos.
É por esta e por outras que a ideia de recall de marca parece ser apenas um sonho para alguns. Mas, quando se concretiza, esta concretização a eleva para um novo patamar como no caso do da Vick Vaporub, que é reconhecido ainda como um produto confiável para cuidar da saúde de gerações. Pertencente hoje à P&G, a marca na forma de bálsamo (chamado Ben-Gay) foi criada pelo americano Lunsford Richardson em 1898, após abandonar a vida de professor e abraçar a carreira de farmacêutico numa pequena cidade rural chamada Greensboro, na Carolina do Norte, nos Estados Unidos.
Da ideia do “bichinho do han-han” ao respire aliviado, que se tornaram conhecidos pelo público, o Vick mantém uma das estratégias de comunicação mais prósperas no que diz respeito a uma marca secular. Naturalmente, o esforço pela sobrevivência conta muito quando avaliado o cenário de mercado, e mais ainda a briga do segmento como no caso do universo das bebidas. Nem sempre os resultados geram sucesso absoluto, contudo, mantém a imagem do produto em evidência. Este é o caso da Brahma que, no ano passado, despontou entre as duas cervejas brasileiras mais populares no mercado global, em um levantamento realizado pela consulotoria Bloomberg Business.
Este slogan da marca acompanhou diversos momentos naquele período como nos comerciais do ousado avestruz que engana um jovem em pleno deserto para realizar o desejo de saciar suas sedes com uma boa e gelada Brahma. Mas, ainda temos o da tartaruga, que se tornou mascote oficial da marca, que mostra um motorista de caminhão da cervejaria e uma tartaruga brigando por uma lata de cerveja caída no meio de uma estrada, até que o animal ganha a corrida, “dribla” o homem, bebe a cerveja e ainda comemora. “Brahma é mais recente mas marcou bastante porque foi uma das primeiras animações misturada com o real, o jingle foi marcante e na época ainda era das balada e acabou viralizando bastante”, destaca Marcelo Caricati, também sócio-fundador da Agência Linka.
O foco em personagens divertidos e animados trouxe um caráter lúdico e criou até forte apelo junto ao público infantil, influenciando a propaganda para diversas gerações, seja lá o seu propósito. Temos assim o controverso personagem Sujismundo, criado na década de 70 por Ruy Perotti, um autor de histórias em quadrinhos, ilustrador e cineasta de animação. Empresário brasileiro e sócio-proprietário da Lynxfilm, estúdio de desenho animado pioneiro no Brasil, desenvolveu este boneco desorganizado e anti-higiênico para incorporar uma campanha de educação ambiental para o Governo Federal, intitulada “Povo desenvolvido é povo limpo”. Para incentivar crianças e adultos a participarem desta iniciativa educativa, apostou-se em um atípico militante da limpeza que ganhou a simpatia dos brasileiros.
Apesar de andar sempre muito sujo e jogar lixo pela rua, tornou-se a caracterização da necessidade de se manter as cidades limpas e de zelar pelo meio ambiente, naquela época. “O personagem Sujismundo é atualíssimo. Nossa Venérea Brasileira (Recife) é sem duvida sua casa. E bem que ele poderia voltar à cena, botando lixo no saquinho”, lembra o caricaturista e ilustrador Sávio Araújo (PE). Bastante atual, o tom político do personagem pouco era observado no delicado contexto do país sob o comando do general Emílio Garrastazu Médici.
Nos comerciais que começaram a ir ao ar em setembro de 1972, no formato de animação, Sugismundo mostrava seus maus hábitos (como não tomar banho, jogar lixo no chão ou espalhar objetos pelo escritório) e acabava punido em uma séria de quatro filmes, que variavam entre 60” e 90”. O personagem brilhava nessas produções que eram exibidas na TV e no cinema, e também ilustrava cartazes e dava o tom de jingles. Depois de um pequeno hiato, retornou à cena em 1973 na companhia de Sujismundinho, uma criança que complementou o programa de campanha publicitária de conscientização da população quanto à limpeza urbana, contribuindo para que a população abandonasse os maus hábitos dos adultos mais rapidamente. E o seu sucesso foi tanto que “Sujismundo” virou apelido indelicado para a molecada abusar de um ou outro que não mantém a higiente.
* Matéria produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Fevereiro/ 2016, número 190

