
“Como publicitário e pesquisador meu olhar sobre a publicidade sempre foi o de identificar nestas mensagens o seu potencial revelador de realidades. Cabe dizer que quando falo de realidade, refiro-me à história. Penso numa história feita do senso comum e que chega a ideia do conhecimento histórico propriamente dito. Das lembranças individuais à memória viva coletiva como trata o historiador Jacques Le Goff”, diz Eneus Trindade, professor em Publiciadade e Propaganda da ECA da Universidade de São Paulo (SP). O especialista ainda comenta como a publicidade tem a capacidade de apontar para os sentidos dos rumos históricos da cultura e da sociedade que a circunscreve, ilustrando a questão com suas próprias lembranças com as campanhas da Itaity Propaganda, liderada pelo renomado publicitário pernambucano Carol Fernandes, cujo trabalho tinha como mote a mediação da cultura local popular na mídia publicitária para o estímulo ao consumo, segundo ele.
“Eu destaco, não uma, mas várias campanhas inesquecíveis, que foram além do papel de dar visibilidade a uma marca ou produto. Elas influenciaram toda uma geração de publicitários. Como esquecer da série de comerciais das sandálias Havaianas na década de 1980, com Chico Anysio e seus personagens como garotos propaganda. Os filmes faziam um link com a característica dos personagens de Chico (Coalhada, o Coronel, Seu Popó) e os atributos do produto: as únicas que não deformam, não soltam as tiras e não têm cheiro. A série dos filmes com o Tio da Sukita também marcaram muito, assim como, no âmbito local, a série, já histórica, dos filmes das Casas José Araújo. São campanhas que nem precisa ser do ramo para lembrar, basta ter vivido aquela época, como a da US Top, que popularizou o bordão Bonita camisa, Fernandinho”, diz o presidente da Ampla Comunicação, Queiroz Galvão (PE).
O profissional reconhece que essas peças reuniam todas as qualidades de uma grande campanha (conceito, técnica e elenco), e consequentemente caíram rapidamente na boca do povo, usando elementos em comum como o uso do humor inteligente, sem qualquer apelação como nos dias de hoje. “A campanha que mais me marcou tem um motivo pessoal. Foi o filme da loja de roupas US Top, que imortalizou o bordão ‘bonita camisa Fernandinho’. O Fernandinho foi o motivo, mas foi indiretamente. Passei anos de vida ouvindo o bordão na escola. Sempre que entrava na sala de aula, os colegas falavam uníssonos ‘bonita camisa, Fernandinho’. O mais curioso é que eu mesmo não tinha visto a peça publicitária. Então, não entendia de onde vinha aquela história. São esses exemplos da publicidade que consegue se entrelaçar no tecido da cultura popular”, relembra também Fernando Palacios (SP), pioneiro dos estudos de storytelling no Brasil.
Apesar de ser conhecida pelo público, a campanha tornou a marca ainda mais popular e é esta a força que uma boa propaganda tem. Ela cria esta conexão emocional com o público, independente do meio, mas esses casos mostram que seu poder está além das novas tecnologias ou das possibilidades da comunicação moderna. “A propaganda nos faz voltar no tempo, sem dúvida. Tal como uma música de um artista que ouvíamos quando éramos adolescentes, também somos reportados ao passado por jingles e até trilhas sonoras que marcaram época. São muitas as peças publicitárias inesquecíveis, ainda mais pra nós publicitários. Mas sempre tem a que nos faz sentir menino de novo, quase me enxergo brincando na frente da tv quando lembro do jingle do ‘Café Seleto’”, destaca Milton Miné, sócio proprietário da produtora de som Lógico! Music (SP).
Para o produtor e publicitário, essas peças inesquecíveis foram muito bem criadas pelos maestros de suas épocas, pois fizeram mais do que divulgar um produto. Elas foram desenvolvidas com o papel de “reconhecimento de marca” o que muitas vezes faz com que sejam lembradas mesmo sem existirem mais, de acordo com ele. Para ele, ainda são imemoráveis os comerciais do DDDRIM e suas baratinhas fazendo ye ye ye, e ainda os de cigarro das marcas Hollywood e Marlboro, não só eram visualmente produzidas mas traziam junto músicas lindas que instigavam os jovens da época. Realmente, as trilhas ajudam a marcar e manter a campanha na mente do público, definitivamente, e quanto mais intrigante, mais atenção tem chamado. “Esse filme me marcou muito. Não parecia um comercial, eu achava muito maluco aquele cara bonachão cantando, do nada: ‘Eu acordei, fui pra minha cama, tirei o meu pijama…’. Ao mesmo tempo, aquela felicidade infantil, livre e tão despreocupada me parecia a sensação mais próxima de uma volta na sua primeira moto novinha. Nunca andei de moto, mas acreditei, desde a primeira vez que vi esse filme que esse cara tinha acabado de dar uma volta na sua Honda”, lembra a sócia e diretora de planejamento da Casa Comunicação, Lorena Leal (PE).
Para ela, este filme marcou muito não só por conta da proposta do comercial da marca Honda, produzido em 1994, mas ainda pelo projeto como um todo. planejamento. “Apaixonei-me pelo planejamento porque vejo nessa função a vitória da verdade. O melhor elo entre a marca e o consumidor é a verdade. A mensagem pode ser embalada pelo humor, pelo drama. O que for. Mas a essência tem que ser a verdade”, enfatiza Lorena Leal. Assim percebemos que uma marca poder ter sua eternidade quando a propaganda marca.
* Matéria produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Agosto/ 2015, número 184

