Nos anos 2000, muita coisa acontecia no mundo como a morte de João Paulo II, independência do Timor-Leste e os atentados ao World Trade Center e ao Pentágono. No Brasil, não poderia ser diferente e diversos acontecimento marcaram a década como um processo de transformação: a mudança política com a eleição do primeiro operário à presidência, a descoberta de petróleo na camada pré-sal e a proibição da veiculação de qualquer publicidade que propague venda de cigarros e outros derivados do tabaco, por exemplo. Contudo, um dos principais marcos ou reflexos desse período para a comunicação brasileira seja a globalização que proporcionou um admirável mundo novo, em termos de brainstorm, podems dizer assim, beneficiado pelo avanço da internet, o impacto das novas tecnologias e a propagação das redes sociais (como o MySpace e o Orkut).
O compartilhamento proporcionou uma troca de experiências e de informações que ajudou a repercutir de forma mais rápida boas e inovadoras ideias que mostrou que esta definitivamente foi a Era da Transformação. Uma época em que o compartilhar seja lá o que fosse era a ordem universal e com isso, muita coisa boa, instigante e intrigante foi espalhado, repercutido e conhecido. “Quando a gente ouve a expressão ‘memória afetiva’, sempre vem à cabeça aquele filme emocional que faz cair um cisco no olho. Não necessariamente. Há uma campanha que fez história e seria extremamente atual nos dias de hoje: BMW Films. Criada pela Fallon (EUA), com o nome “The Hire”, a campanha começou incrível pelo simples fato de não ser um filme de 30 segundos na TV, mas sim diversos curta-metragens. Os caras convidaram nada mais, nada menos, que Ang Lee, John Woo, Guy Ritchie, John Frankenheimer para a direção e, como protagonista, Clive Owen, um sujeito que não era ninguém antes dessa campanha”, lembra Rodolfo Barreto, diretor de criação da agência Tudo.
Este resgate não é a toa. Com um time impressionante de diretores, produtores, roteiristas e atores, este projeto envolveu uma série de oito curtas-metragens (em média cerca de dez minutos cada), produzidos para a Internet no começo dos anos 2000, para destacar os aspectos de desempenho de vários automóveis BMW. Realizados em conjunto com alguns dos mundos melhores diretores, os vídeos do The Hire foram dirigidos por cineastas populares de todo o mundo como uma estratégia de conteúdo de marca. “Para você ter uma ideia, isso tudo aconteceu entre 2001 e 2002 e o sucesso foi tanto que as pessoas gravavam os filmes em CD para espalhar para os amigos. O YouTube só foi lançado anos depois, em 2005. Há quem diga que a BMW deve voltar com essa série em breve e, por falar em YouTube, os leitores podem dar uma olhada em um dos episódios no link: https://goo.gl/WwktkC”, comenta.
https://www.youtube.com/watch?v=88b_gqlkcMg
O brilhantismo da campanha mencionada pelo publicitário foi tanto que incrementou em 2001 as vendas da BMW em 12,5 e no ano seguinte 17,2%. além de ajudar a montadora a vender suas Mercedes e colocou em segundo lugar Lexus no mercado de carros de luxo. Nos primeiros quatro meses de exibição, os vídeos foram vistos mais de 11 milhões de vezes e ainda conquistou diversas premiações em 2002 como Grand Prix de Cyber Lion em Cannes e “Melhor Ação Short” do Short Film Festival Internacional de Los Angeles, concedido ao cineasta John Woo por Hostage. Hoje, com a marca de mais de 100 de milhões de visualizações, a série Hire integra a coleção permanente do Museu de Arte Moderna (MOMA), desde 2003 e é considerada uma das grandes campanhas de marketing deste milênio.
Indústria do amor – Diferente das décadas anteriores, a propaganda no Brasil ganha nova enfase em diversos níveis com uma relação mais pessoal e emocional das marcas com os indivíduos. Cada vez mais o peso das estratégias da empresas está pautado em conquistar o amor do consumidor com critérios e abordagens mais criativas. E com isso temos um mercado estava em ebulição com investimentos que chegaram a 10 bilhões dólares por ano, todos os anos naquela década.E, inspirados no desenvolvimento da comunicação e das possibilidades oferecidas pelo novo cenário, os nossos criativos puderam ousar e abusar com muita propriedade. E, em consequência disso, a publicidade brasileira brilhou como numa na mídia, na rede e nos mais importantes eventos internacionais com o Festival Internacional de Propaganda de Cannes, em que se destacou entre as quatro mais premiadas e consolidando-se assim entre as mais expressivas do mundo.

“Como publicitário e pesquisador meu olhar sobre a publicidade sempre foi o de identificar nestas mensagens o seu potencial revelador de realidades. Cabe dizer que quando falo de realidade, refiro-me à história. Penso numa história feita do senso comum e que chega a ideia do conhecimento histórico propriamente dito. Das lembranças individuais à memória viva coletiva como trata o historiador Jacques Le Goff. Percebo a publicidade como um objeto de alta potência que aponta para os sentidos dos rumos históricos da cultura e da sociedade que a circunscreve, isto é, seu contexto de circulação”, analisa Eneus Trindade, professor em Publicidade e Propaganda da ECA da Universidade de São Paulo (SP).
O momento define o que foi desenvolvido nesta época, neste caso, e sendo assim alguns comerciais ganharam mais destaque do que outros, contudo, o que mais marcou foi o domínio de marcas específicas na mídia, em especial as cervejarias. O que não poderia ser talvez de outra forma na terra do samba, cerveja e futebol. E observamos uma guerra acirradas da Antárctica, Brahma e Sol para mostrar o seu poder de fogo de forma bem humorada e características, o que ficava fácil de determinar que filme representava qual produto. E dito isso quem não se lembra de um dos personagens mais icônicos da televisão brasileira, o João Grilo, interpretado pelo ator Matheus Nachtergael, oriundo da obra Auto da Compadecida de Ariano Suassuna, cujos trecheitos também brilharam na propaganda.
* Parte de matéria produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Janeiro/ 2016, número 189
